Um Recorte Sobre a Antiga Toponímia da Vila de São Matheus do Imbiri (Campos do Jordão).
Por Redação EmCampos - 18 de fevereiro de 2023
O imbiri, como também é conhecido o lírio-do-brejo, representante nas áreas de medicina, gastronomia, perfumaria e paisagismo no Sul e sudeste do Brasil, sempre proliferou na região de Campos do Jordão, antes mesmo de sua fundação. É frequentemente encontrada nas margens de lagos, à beira das matas, dos rios, lugares pantanosos, onde o solo é úmido e rico em matéria orgânica, o que facilita seu desenvolvimento, e serve de abrigo para a fauna silvestre em lugares úmidos ou brejos.
O interesse pelo estudo da planta científica, Hedychium coronarium, conhecida popularmente como lírio-do-brejo (Imbiri), se deve ao fato de que ainda não havia sido estudada para outras finalidades. Falta informações para uma melhor compreensão sobre o tema.
Apesar da história de Campos do Jordão escrita em diversas obras entre os quais os documentos textuais dos historiadores, Pedro Paulo Filho (História de Campos do Jordão, 1986), onde menciona apenas uma vez o nome Imbiri, originário do Tupi-guarani, de “Ybira”, Árvore; e “i”, fraco, pequeno; e, Condelac Chaves de Andrade (Álbum Almanaque-Histórico de Campos do Jordão,1948), não menciona o nome, não há, portanto, estudos conclusivos a respeito.
Vale do Imbiri, Rio Imbiri, Pico do Imbiri, Vila Imbiri, Pousada Imbiri. Da Freguezia do Imbery aos Campos do Jordão na construção da identidade toponímica, existe uma motivação linguística, cultural e histórica.
Considerando os nomes botânicos do território numa dimensão etnolinguística, identifica-se uma considerável origem indígena em sua camada, notadamente em língua tupi, visto que a vegetação nativa já se apresentava produtiva em signos toponímicos. Na região, onde a vegetação exubera, variada e intensa, a denominação dos lugares de procedência indígena deve, de contínuo, traduzir a feição local sob o ponto de vista da sua vestimenta vegetal, ou pelas suas espécies. A geografia reflete nas denominações desses lugares a característica vegetal de cada uma. Não é, pois, de estranhar-se o frequente emprego de plantas, árvores, para individuar um rio (Imbiri, Capivari, Sapucaí), um banhado, um vale, um povoado, uma serra, um acidente topográfico qualquer. Os nomes de lugares circunscritos a essa região geográfica fornecem elementos que podem se configurar como pistas para a interpretação da história do homem e a sua relação com o espaço.
Em 29 de abril de 1874, data da fundação da cidade de Campos do Jordão, Matheus da Costa Pinto,
fazendeiro de Pindamonhangaba, arrematou alguns lotes do Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão à beira do rio Imbiri e deu início à construção de um vilarejo.
Construiu uma venda, uma capela chamada de São Matheus do Imbiri, uma pensão para “respirantes” (tísicos), uma pousada e uma escola, motivos pelo qual foi considerado fundador da cidade. O vilarejo logo se tornou Vila de São Matheus do Imbiri. Alguns começaram a chamar o nascente povoado de Vila de São Matheus do Imberi, outros de Sítio ou Retiro de Matheus Pinto (PEDRO PAULO FILHO, 1986).
Por estar localizada nas proximidades do Pico do Imbiri e Ribeirão do Imbiri, o grande proprietário das terras, ganhou uma capela e o título de padroeiro, acrescentando o nome de uma planta de origem indígena, o Imbiri.
O fundador da cidade, sabia muito bem disso, e não é à toa que criou raízes junto ao rio que leva o nome, Imbiri, pela extensa quantidade da planta, o que pode muito bem ter-se inspirado a dar o primeiro nome à cidade, Vila São Matheus do Imbiri.
Estudos sobre a origem do primeiro nome do município de Campos do Jordão, não estão em desenvolvimento, ao contrário, andam devagar. A Onomástica, ciência tradicional que reúne fundamentos teóricos e princípios metodológicos que sedimentam pesquisas sobre o estatuto dos nomes próprios de pessoas e de lugares, tem na Toponímia um campo de investigação consolidado que se dedica à análise dos nomes próprios de lugares e acidentes geográficos, enriquecidos com elementos da cultura, da história, da geografia. Por que tal cidade possui tal nome? Por que aquele rio é assim denominado? As respostas para essas perguntas podem ser encontradas através de um estudo toponímico.
História e cultura caminham juntas, sempre de mãos dadas. Na legislação que estabelece a simbologia associada às freguesias portuguesas, surgem frequentemente menções aos oragos dessas freguesias. Este fato tem dois significados: por um lado, tem o significado religioso de estender a “proteção” do santo para lá do templo, a toda a freguesia; por outro lado é um arcaísmo que reflete nos dias atuais as origens antigas das freguesias.
A recuperação das denominações mais antigas, quase todas, de origem religiosa ou devocional, traduzindo a mentalidade herdada dos colonizadores, deve ser feita, independentemente de seu uso futuro ou da maior ou menor facilidade interpretativa. São locativos ou cognomes de origem sociocultural, mas com um cunho político, de homenagem ou reverência, primeiro a Deus, à Virgem e aos Santos; depois, aos homens da terra, do poder civil. Esses foram os passos usados por Colombo, em sua primeira viagem à América.
Com efeito, embora hoje uma freguesia seja uma instituição de caráter político e administrativo, exclusivamente subordinada aos poderes civis, a sua origem é a paróquia católica, que constituiu em tempos a malha mais fina de administração em Portugal.
[…] a denominação talvez não tivesse como causa a devoção ao santo, e, sim, a homenagem ao responsável pela criação da vila. Como era de costume – e até hoje isso pode ocorrer – colocava o fundador ou colonizador da área em questão o seu próprio nome no local, e por sinal de suposta modéstia, fazia-o anteceder do determinante “santo” ou “são”. Com isso atingia-se uma dupla finalidade: a preservação da memória do fundador; e a homenagem a um santo, conforme determinação da Igreja, que poderia ser, ou não, de devoção daquele (DICK, 1996).
Outra questão a ser analisada pelo pesquisador, são os supostos estratos linguísticos que podem ser evidenciados na toponímia. No caso do Brasil, quando se estabelece um recorte toponímico relativo a várias e distintas áreas geográficas, é efetiva a presença de línguas indígenas, especialmente do Tupi, nos topônimos.
A propósito, quando se encontram topônimos com formações híbridas, na maioria das vezes, um dos formantes da composição é de origem indígena. Em relação à hagiotoponímia relativa aos municípios brasileiros, também há diversos casos em que é acrescido ao hagiônimo um vocábulo indígena.
Há registros, na história do país, sobre a prática, na época da colonização, de se adicionar um nome de santo ou santa aos designativos já atribuídos pelos indígenas. Dessa forma, ficavam batizadas as localidades com um nome de santo (a) + um vocábulo indígena. Esse costume se estendeu durante os séculos seguintes… Assim, Vila de São Matheus do Imbiri.
Com relação ao lírio-do brejo, uma das variedades do Imbiri, foi introduzida no Brasil há mais de 300 anos pelos portugueses, para atender ao paisagismo, devido à delicadeza e especialmente o perfume muito agradável exalado de suas flores brancas, (Joly e Brandle, 1995). Na colonização europeia, os europeus levavam plantas e animais nativos às terras colonizadas, para que o ambiente se tornasse mais familiar e fornecesse alimentos. Inicialmente, a introdução ocorreu para suprir necessidades agrícolas, ornamentais e de pastagem. (Primack e Rodrigues, 2001; Ziller, 2002; Petenon e Pivello, 2008). Chegou ao Brasil, oriundo da África, de forma acidental durante o período colonial, pelas palhadas utilizadas como camas nos navios negreiros, e depois para fazer camas dos escravos, quando chegaram. A palha do colchão consistia de lírio-do-brejo e diversas gramíneas.
É mais frequente nas regiões Sul e Sudeste, tropicais e subtropicais, na Mata Atlântica, região serrana, e se adaptou muito bem ao solo montanhoso de Campos do Jordão. É usado na roça como um filtro natural de água, quando plantado na beira e ao longo de um córrego. Por ser uma planta vigorosa, é utilizada para contenção de encostas, mas que dificulta que outras nativas brotem, pois, possui alto potencial invasivo e é considerado uma espécie exótica invasora no Brasil.
A planta foi de suma importância para a região, já que Campos do Jordão era uma cidade sanitária há algumas épocas passadas, procurada por pessoas que buscavam tratamento para problemas respiratórios e doenças pulmonares. Contendo propriedades específicas para o tratamento, a planta Imbiri se tornou mais uma das principais ervas medicinais da cidade, tornando-se um verdadeiro sucesso entre os médicos da época.
O primeiro nome da cidade, Vila de São Matheus do Imbiri, homenageia o seu fundador, mais o nome da planta, Imbiri, traçando a história de sua formação.
Campos do Jordão é a cidade mais alta do Brasil que apresenta distintas particularidades na área do turismo cultural. O seu nome engloba o patrimônio cultural material e imaterial e natural e funciona como um cartão de identidade para atrair turistas e/ou visitantes.
O presente texto pretende identificar e analisar o grau de influência da designação, São Matheus do Imbiri, para o processo de decisão da escolha de seu nome. Para sua realização, utilizou-se 2 linhas de pesquisas, a primeira diz respeito ao livro “História de Campos do Jordão”, do autor jordanense, Pedro Paulo Filho e a segunda, o “Álbum-Histórico de Campos do Jordão” de Condelac Chaves de Andrade, onde se buscou desenvolver uma pesquisa bibliográfica destacando os pontos chave das variações e mudanças que advieram, com o passar dos anos, ao nome de uma planta e a origem do nome da cidade.
Conclui-se ressaltando a necessidade de avultar o primeiro nome da cidade que não foi estudada, e assim, recuperar seus preceitos básicos.
Fontes de Pesquisa:
SAMPAIO, Theodoro. O Tupi na Geographia Nacional. Memoria lida no Instituto Historico e Geographico de S. Paulo. São Paulo: Typ. da Casa Eclectica.
DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Arquivo do Estado, 1990.
DICK, M. V. de P. do A. A dinâmica dos nomes na cidade de São Paulo 1554-1897. São Paulo: Annablume, 1996.
Lorenzi, H. & Souza, H. M. 1999. Plantas Ornamentais do Brasil: arbustivas, herbáceas e trepadeiras. Nova Odessa, SP. Instituto Plantarum.
MOREIRA, Nicolau Joaquim de. Dicionário de Botânica Dicionário de Plantas Medicinais Brasileiras. Rio de Janeiro. RJ 1862.
Joly C A, Brandle R (1995) Fermentabtion and adenylate metabolism of Hedychium coronarium J. G. Koenig (Zingiberaceae) and Acorus calamus L. (Araceae) under hypoxia andu anoxia. Functional Ecology 9: 505-510
PRIMACK, Richard B. Biologia da Conservação. Richard B. Primack, Efraim Rodrigues, Londrina: E. Rodrigues, 2001
PAULO FILHO, Pedro. História de Campos do Jordão. Campos do Jordão. Ed. Santuário. 1986.784 p.
ANDRADE, Condelac Chaves de. Álbum-Histórico de Campos do Jordão. 1948. Campos do Jordão. 77 p.
Historiador, Bibliotecário, Professor, Escritor, Maurício de Souza Lino